Eis o melhor e o pior de mim. O meu termomêtro, o meu quilate.

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segunda-feira, março 26, 2012


Lixo Extraordinário


Esse documentário já está um pouco velhinho, comparado com a velocidade que as coisas ficam para trás e nos dias de hoje, mas eu o vi recentemente, indicado pelo meu acompanhador.
Filmado ao longo de dois anos (agosto de 2007 a maio de 2009), Lixo Extraordinário acompanha o trabalho do artista plástico Vik Muniz em um dos maiores aterros sanitários do mundo: o Jardim Gramacho, na periferia do Rio de Janeiro. Lá, ele fotografa um grupo de catadores de materiais recicláveis, com o objetivo inicial de retratá-los. No entanto, o trabalho com esses personagens revela a dignidade e o desespero que enfrentam quando sugeridos a reimaginar suas vidas fora daquele ambiente. A equipe tem acesso a todo o processo e, no final, revela o poder transformador da arte e da alquimia do espírito humano.*

Essa é a sinopse, mas esse documentário é muito mais que isso. A minha experiência enquanto o assistia, foi de experimentar sentimentos que eu nem imaginava que havia dentro de mim.
É realmente muito triste, saber que em um país tão grandioso e com uma riqueza enorme ainda haja pessoas vivendo desse jeito. O lixão foi fechado, mas essa realidade de pobreza ainda é muito forte em nosso país. Independente das dificuldades que aquelas pessoas enfrentam, é bonito ver a dignidade que elas encaram seu trabalho, o orgulho que sentem de si próprias, por sua atividade que realmente é importante para o meio ambiente.

Quando o meu acompanhador me sugeriu ver esse vídeo, eu estava passando por uma grande crise de identidade, de até mesmo de não aceitar minha história. Minha história não é diferente de muitas pessoas, mas é uma história que machuca. Muitas dificuldades, trabalhar muito cedo, separação dos pais... Não entrarei em detalhes, mas citei algumas coisas para salientar o quanto me identifiquei com a história daquelas pessoas, que sofrem, são colocadas à margem da sociedade, não tem acesso nem a saneamento básico. Elas chegam até mesmo a comer comida do lixo. Os esforços que fazem para sobreviver, não se deixam ser diminuídos por ninguém, pois como diria Charlotte Brontë: “Somos todos iguais diante de Deus”. Eles sabem essa verdade, pois Deus dá uma grande sabedoria aos humildes de coração.

Vendo essa dura realidade, me ponho a pensar o tanto de vezes que já ouvi algumas pessoas que assistem a pobreza dos outros pela televisão, dizerem que os pobres não se esforçam, que não estudam, não leem um livro... Ah meu Deus, se ler livros enriquecesse a gente, eu estaria pelo ao menos numa posição melhor, pois o que mais faço é ler. A leitura é muito importante, e eles leem, até Nietzsche eles leram. Mas ler um livro apenas, sem escola não muda a vida de ninguém. Pode até te ajudar a formar opinião, mas tirar a pessoa da miséria precisa de muito mais que isso. E depois, vamos raciocinar, temos necessidades básicas, como comer, beber, nos aquecer. Quem vai pensar em fazer uma tese sobre Dostoiévski se está passando fome ou frio? Com fome não conseguimos nem pensar em Deus, quanto mais em ler.

O pior câncer é a ignorância, mas não é a ignorância da falta de cultura, mas essa ignorância que faz com que a pessoa julgue o outro culpado de sua miséria, quando na verdade ele é uma vítima. Essa ignorância que faz com que percamos a misericórdia para com nossos irmãos.
Esse documentário vale a pena ser visto, revisto, degustado e saboreado, pois faz-nos olhar para nossa pobreza dentro de nós, nossa pobreza de falta de caridade e nosso comodismo. Faz-nos perceber que ninguém consegue nada sozinho, sem uma mão, sem uma seta. Faz-nos observar que temos que ter orgulho daquilo que somos, independente de nossa situação financeira, as escolas que estudamos, o bairro que moramos. Por que o que somos, somos. O resto é tudo título, mas a nossa essência sim é importante. Quem ainda não percebeu isso, ainda está na superfície, demorará para experimentar o que realmente importa.
Somos todos iguais diante de Deus.


Fernanda Pereira
* Fonte: http://www.lixoextraordinario.net/filme-sinopse.php
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sábado, março 10, 2012


A Mulher do Suvaco de Pimenta


Existem as pessoas que são azaradas e existem as pessoas cagadas. Eu me encaixo no grupo de pessoas cagadas. Quando Murphy pensou em sua lei, ele teve um sonho do futuro, e esse sonho era sobre mim.
Resolvi viajar sozinha. Nos meus planos eu me conheceria melhor e conheceria um gatinho para partilhar todo esse conhecimento profundo.  Mas, acabei me conhecendo tanto que não conheci ninguém. Tudo bem, nem tudo são flores e aprendi que você nunca deve viajar sozinha para um lugar aonde só vai casal e essa galera que está em lua de mel. Você fica sozinha sem amigos, por que casais são amigos de casais (a não ser que você queira ser uma velona no meio deles). E você não pega ninguém, por que no maldito lugar já está todo mundo acompanhado. Na verdade eu até consegui uma amiga, mas ela foi embora dois dias depois. Conheci uma pessoa aqui, outra ali, mas nada de muito profundo, por que as pessoas solteiras, estavam trabalhando.

Dias lindos, já havia passado tanto tempo comigo que estava querendo me separar de mim. Relacionar-se consigo própria é muito difícil. Tem horas que você quer fazer uma coisa, e aí já vem você querendo fazer outra, e de repente rola uma briga enorme com você que te faz ficar dias sem falar consigo mesmo. No dia de voltar para casa, eu já estava me sentindo como o Gollum do Senhor dos Anéis depois de tanto falar sozinha, Porém, estava me sentindo muito feliz, muito feliz mesmo por poder voltar a encontrar pessoas que eu tenho mais afinidades e intimidades. 

Tudo estava lindo, por que o lugar que eu fui, no Ceará, enche os olhos de tanta beleza. Pegamos uma Jardineira, que é um tipo de transporte aberto, que anda pela areia, por que os ônibus atolam. Percebi que tinham vários gatinhos solteiros na Jardineira, a esperança reacendeu meu coração. Fui feliz da vida, tirando várias fotos, sorrindo para as pessoas. A emoção tomando conta: Estou voltando para casa e ainda posso pegar alguém!
Chegamos a uma cidade, onde trocaríamos de transporte, pegaríamos um ônibus para ir até Fortaleza, para de lá pegar o vôo para São Paulo. Altas piscadas que chegava parecer que eu tinha problema no olho. Tentamos tudo, vai que dá certo? Entrei no ônibus, balas e chicletes em punho, checando o bafo e se estava tudo ok. Já tirei a novena de Santo Antônio do bolso e comecei a intercessão para que algum daqueles belos sentasse ao meu lado. Entra um, passa direto. Outro passa direto e vai passando e passando. Não tem problema, ainda tinham alguns. Santo Antônio valei-me!

De repente, senti um cheiro muito estranho. Um cheiro longínquo de suvaco ardido. Mas era um cheiro tão peculiar que eu abri as narinas para sentir melhor e identificar que fedor era aquele. Tinha uma mistura de ônibus lotado com trabalho escravo, 13 dias sem tomar banho, peixe salgado no sol e um toque de pimenta. O que eu mais estranhei foi a pimenta. Que cheiro de pimenta moída na feira! Por um momento eu pensei que alguém estava contrabandeando condimentos, afinal estávamos no Nordeste e lá tem temperos incríveis. O cheiro desse não era tão incrível, mas tem gosto para tudo, pensei. À medida que eu pensava, o cheiro aumentava e pensei comigo: Meu Deus, alguém tem um limão pra dar para o cidadão que está com o suvaco caindo?

Muito calmamente entra uma moça no ônibus, sorrindo com simpatia, umas vestes alternativas, meio indianas. Eu pensei comigo: coitada da moça. O cara do suvaco fedido deve tá vindo atrás dela. O nariz dela deve tá até sangrando, por que o meu tá quase...

A mulher foi chegando e o fedor aumentando. E meu desespero começou a se intensificar, tenho rinite alérgica, qualquer coisa me faz ficar sem respiração e dessa vez eu temia que meu nariz caísse. Percebi que não tinha ninguém atrás dela. Era ela que estava fedendo! Meu Deus, não pode ser! A pessoa não sente um negócio desses? Ainda mais uma mulher? E nem era zuada, era até jeitosa. Meu Deus passa limão, corta esse suvaco fora!

Fiquei com uma dó da pessoa que ia sentar do lado dela. Senti dó e por dentro comecei a rachar o bico. Que hilário! A pessoa vai desmaiar! Já imaginei o ônibus parando na estrada, o cara desmaiado, ela chorando, todo mundo olhando pra ela com cara de desaprovação, a polícia levando ela presa, os jornalistas do Ceará tirando fotos e falando: Um crime hediondo! Mulher sufoca homem com o fedor de seu suvaco. O fulano de tal foi levado inconsciente para o hospital e corre risco de vida... Plim, Plim. Acorda!

Nos momentos que me deliciava com minha mente fértil, meu sorriso desvaneceu-se. Ela estava se aproximando e olhando o número da poltrona. Estava diminuindo os passos e olhando para mim sorrindo. Ah, não! Ah, não! Santo Antônio, São José, São Socorrooo!

-Hello?

Ai meu Deus- pensei- ela vai sentar perto de mim. Ria agora? Quem vai sair desmaiada é você! Eu sabia que o patrono do casamento era São Rafael, por que eu fui rezar pra Santo Antônio?

- How are you? – Ela continuou falando.

Me deu dó, coitada. Pensei: Ela é simpática. Só por que tá fedida? Poxa, as pessoas fedidas também amam. Ai como eu sou insensível e preconceituosa. Que vergonha Fernanda, fala com a moça! Putz, ela fala inglês. Não falo nada. Peraí, eu falo alguma coisa sim. Fiz aulas com o método Churusmelos Too Too que a Maria, minha amiga, inventou e depois fui um dia na aula do Lucas. Mas essa não conta, eu só fiquei zuando o Renato e o menino So Lowly e quase tomei uma chinelada e fui proibida de voltar lá... Verb to be, Verb to be... Pense nos milhões de música que você já traduziu. Isso! Garota esperta! Lá vai:

-Itis reining men?  Ou Yes! Thank you!

Ave Maria, o que será que eu disse? A mulher me olhou com uma cara de trevo.

- Speak English? Ela perguntou. Isso eu sei responder!

- Nou! – Disse eu por fim, sorrindo amarelo. Ela sorriu, e virou-se para seu MacBook.

Fiquei com meu orgulho ferido. Como assim não quer mais falar comigo? Só porque eu não sei falar inglês? Ela que está no Brasil, ela que tem que falar português, ora! E depois ela é uma fedida. Que tem um computador mor legal... Que importa! Devia era vender e comprar sabão! Nem vendendo o Mac dela ia comprar sabão suficiente! Pára Fernanda! Sua coração peludo! Deixa a moça, ela é boazinha.
Esses meus pensamentos só podem ser de segurar peido. A Maria sempre diz: nunca se deve segurar um peido. Por que ele sobe pela coluna, vai para o cérebro e é daí que surgem as ideias de merda. Sabias palavras.


Passou um tempo da viagem, a moça do ônibus veio trazer um lanchinho pra todo mundo. Eu estava morrendo de fome, mas ia ser difícil comer com a Fedentina do meu lado. Ah, vai nada. Eu como pela boca, e não pelo nariz! A moça entregou biscoito e suquinho pra gente, a Fedelete olhou e sorriu para mim e me deu o biscoito, gesticulando que não queria e apontando para sua mala. Meus olhos se encheram de lágrimas e de gratidão, não pelo biscoito mas pelo gesto, totalmente arrependida de tê-la chamado de Fedorenta no meu coração.
Enquanto eu abria meu biscoitinho, ela se abaixou para pegar algo em sua mochila. Quando ela esticou o braço, saltou um negócio da axila dela, que a princípio eu pensei ser um bicho, mas conforme ela se movimentava, a cascata lhe descia pelo braço e balançava, mas sem se soltar. Fiquei confusa. Aquilo era pêlo? Eu sempre soube que em alguns países as mulheres não fazem depilação, mas nunca tinha visto pêlos tão protuberantes nem em homem. Deu-me certa raiva dela, porque a cidadã vem para o Brasil, especificamente para o Nordeste, onde tem sol e calor que não acaba e não pensa que pode sufocar alguém com um golpe de axila? Sem noção meu!

Antes o suvaco dela fosse tudo. Pensando eu, em toda aversão que tinha criado pela a Fedita cuja, imaginando que tudo aquilo era de próposito para desmaiar alguém inocente, que no caso era eu, pensei que nada podia ficar pior. Aí entra a lei de Murphy para mim: não há nada tão ruim que não possa ser piorado. De repente, sem mais nem menos, sem prévio aviso, essa mulher me saca um marmitão de dentro da mochila. Eu admirada, por que aqui no Brasil as pessoas morrem de vergonha de comer um biscoitinho em público e uma vez uma amiga minha, levava sua marmita disfarçada em uma nécessaire, quando o ônibus deu uma freada e jogou a marmita dela longe, espalhando os seus bifinho, ela imediatamente fingiu que não era dela. Isso por que todo mundo viu que saiu voando de sua mão.


Voltando à marmita da Joselita, graciosamente ela abriu a vasilha metálica. Começou a subir um cheiro, um fedor especificamente, uma carniça na verdade. Mas um cheiro tão ruim que no instante que ela abriu a marmita, subiu uma fumaça amarela e três urubus entraram voando pela janela e levaram  o bife dela embora. Fiquei triste por que não levaram ela também. De repente estava todo mundo olhando pra mim. Eu não sei o que ela estava comendo, mas tinha um cheiro muito, muito forte e misturado com o cheiro dela empesteou definitivamente o ônibus. Nesse instante pude sentir todos os olhos de piedade em cima de mim.
Mas o pior não era comer a marmita dentro do ônibus, por que ela faz o que ela quer da vida dela, anda com o Chewbacca debaixo do braço, passa bosta na cara, problema dela. O pior, de fazer tudo isso, é ela afetar as pessoas, por que seu direito de feder, termina quando meu nariz começa a necrosar. Desumana. Eu estava revoltada.

Viajem mais longa da minha vida, mas serviu para me acalmar. Depois de um tempo a narina se acustuma e você nem sente mais nada. Finalmente chegamos a Fortaleza, que é linda, quente e cheia de gente cheirosa. E alguns fedidinhos também. Mas tudo isso me fez pensar, bendita matéria orgânica que somos feitos. No final, todo mundo é fedidinho, mas tem gente que se assume. E ser quem você é, com sua cultura, valores e até mesmo hábitos muito diferentes é atitude. E isso não deixa de ser bonito. Mas um banhinho com sabão em pó e cândida é bom e a gente agradece.



Fernanda Pereira
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