Eis o melhor e o pior de mim. O meu termomêtro, o meu quilate.

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terça-feira, julho 24, 2012


A Pomba Venenosa

Foto: www.fottus.com/

Lembrar da minha adolescência e sempre uma delícia. Lembrar-me de todas as viagens sofridas, os acampamentos em Paranapiacaba, sempre sem dinheiro, tudo combinado em cima da hora, levando tudo menos comida são coisas que me fazem rir e pensar: Nunca mais! Jamais! Nem pensar! - Mas apesar de todo sofrimento, foi uma época muito legal.
Lembro-me um acampamento que fizemos, como todos os outros combinados em cima da hora e sem dinheiro, que a galera foi em peso. Éramos uma turminha do mal, queríamos vida loca, mas éramos na verdade um bando de adolescentes gente boa que curtiam um rock e adoravam uma aventura. Fomos todos: A Maria, a Paty, o Alex, o Presunto, o Róla, o Éder, o Tetê, e a Raquel e a Marta que são irmãs da Paty
 Arrumamos nossas mochilinhas e rumamos para o ponto de ônibus sentido Estação da Luz. Coisa linda de se ver: nove adolescentes, com os cobertores amarrados  com varal na mochila, comendo cheetos, felizes e animados tudo passando por baixo no busão. Eu me sentindo a adolescente mais rebelde do Clube dos Cindo. É isso aí sociedade! Anarquia!  Cuspo no chão!Passo por baixo do busão mesmo! Aí lá vou eu, bem bonita, com o quadril da Carla Perez no começo da carreira, enooorme,  passando por baixo da catraca e ficando com a bunda presa. Todo mundo me olhando com cara de: olha lá o balão, entalou. Ai que vergonha. Ainda bem que eram cinco horas da manhã e só tinha homem trabalhador e feio, se não teria sido bem pior.
Mas nada abalava nossa alegria e como o Róla sempre dizia, estávamos indo pra Gozolândia. Na Estação da Luz pegamos o trem sentido Ribeirão Pires e em Ribeirão Pires, pegamos o trem sentido Paranapiacaba (ou Paranaminhacasa para os íntimos).

Paranapiacaba é um lugar muito bonito. Com ar de cidadezinha do interior, com ruazinhas de paralelepípedo e uma reserva florestal. Lá tinha até mico leão dourado, pau brasil, jacaré do papo amarelo, onça pintada... Eu nunca vi, mas se as placas diziam que tinham, então tinham.


Chegar em Paranapiacaba era sussa. O difícil era ir embora. São varias horas de caminhada, dentro da mata fechada e selvagem. Um dia eu até vi um lagarto e pensei que era um jacaré pelo tamanho do bicho. Mas ficaram me zuando porque os jacarés não ficam dando rolê no meio do mato, eles ficam perto da água e a água estava bem distante, o que era muito sofrido, por que quando estávamos com sede e tinha acabado nossa água, nós ficavámos lambendo as folhas. A gente corria um risco danado de lamber uma folha de urtiga e passar o acampamento todo com a língua inchada.


Eu empre, eu descia o morro rolando, todos diziam que eu tinha sabonete embaixo do pé e meu apelido carinhoso era Gibi. Gibi era um cara todo tatuado que vivia bem louco de pinga, todo sujo e escorregando. Só tenho uma coisa a dizer sobre isso: Intimidade é uma desgraça. E o pior, é que uma vez quando eu era criança eu caí da escada saindo do banho. Escorreguei porque tinha um pedaço de sabonete grudado no meu chinelo. Desmaiei e acordei no hospital tomando ponto na sobrancelha. O Róla, (esse apelido porque tomava vários “Rólas” no skate), nunca soube dessa história do sabonete no meu chinelo, se não eu estaria ferrada.


Eu sou uma pessoa elegante. Não importa aonde eu vou. Por isso, fui com uma roupa muito apropriada para o acampamento: Jeans justo. Mais justo que a justiça de Deus e novinho. Novinho em folha! Nunca façam isso. O pior é que eu tinha uma lata de óleo dentro da minha mochila e como eu desci hora rolando, hora quicando, hora agarrada no galho, hora as pessoas tentando me segurar, e hora todo mundo rindo de mim, a lata que na época era usual, não era como essas garrafinhas de plástico, estourou e me sujou inteira. Não deu nem pra torcer a roupa pra aproveitar o óleo pra fritar um ovinho e minha calça novinha ficou toda cagada.



Vamos viver o desapego! Natureza, cachoeira, luau sem violão, à capela comigo e com a Maria cantando Smashing Pumpkins e Cranberries tudo errado dentro da barraca. Que delícia! Só quando estávamos lá embaixo é que percebíamos que merda que é não ter repelente. Enquanto nos divertíamos na cachoeira gelada, éramos devorados por borrachudos carnívoros. Esse mosquito, ele esbarra em você e já sobe um calombo enorme na sua perna. Usar biquíni na cachoeira? Só se você quisesse sair parecendo que tinha trinta bundas vermelhas e inchadas. Além deter que suportar ser devorada por borrachudos, eu que na época namorava o Éder que tinha o cabelo comprido, tinha que aguentar uns comentários bem discretos de uns sujeitos gritando lá da pedra quando o Éder me beijava: Olha lá! Duas minas se beijando!

Depois de tomar banho, Maria e eu voltamos para a barraca e enquanto  estávamos à luz de velas, por que lanterna é para os fracos e para os ricos, o Róla chega correndo e dizendo:
- Esconde o papel! Vai esconde!
- Por quê? – Perguntei.
-Nada não, só esconde! – Ele disse rindo abundantemente.
Em poucos instantes escutamos os gritos sofridos do Presunto:
- Róla, que mancada! Cadê o papel?
- Não tem! – Disse o Róla se retorcendo de rir
- Róla, por favor, meu! É sério! – Ele disse em meio a lágrimas.
- Não tem! – Eu disse, rindo muito do rebostério alheio.


Aí a Maria e eu desatamos a rir largamente do menino que tinha sido vítima do lacto purga. E em meio a gargalhadas, começamos a sentir um cheiro horrível. E todo mundo olhando um pra cara do outro com a cara de: você peidou? E o cheiro subindo, tomando conta da nossa barraca, sufocando a gente. Eu tive que sair, não dava. Na hora que saio, vejo um vulto correndo com as calças na mão pro meio do mato e uma carta de baralho ficando para trás. Não acreditei. Não, fala sério! O cara cagou! Cagou atrás da nossa barraca! Cagou e se limpou com a carta de baralho! Que nojo! Quase matamos o Róla. Tudo por culpa dele que quis zuar o menino. Agora tinha uma poça de bosta atrás da nossa barraca e eu quase vomitando. Colocamos o Róla pra limpar pra ele largar a mão de ser idiota. No dia seguinte, o menino tinha ido embora aos primeiros raios de sol, tamanha a vergonha que ele passou.
Mas tudo era festa. Como a gente, (esse a gente era o Róla, o Éder, a Maria e eu) nunca levávamos comida suficiente e nem repelente, a gente roubava da Paty enquanto ela estava na cachoeira. Não era bem assim uma sacanagem, por que ela ia acampar com a gente e ficava regulando o rango? O pai dela tinha um sacolão e ela sempre tinha mais comida que todo mundo. Mas o pior é regular repelente. Todo mundo sofrendo se coçando e ela espirrando o spray de repelente caro dela na barraca e na atmosfera, enquanto nós em puro estado de mendicância ficávamos em baixo do jato desejando que algumas gotículas caíssem na nossa canela pelo ao menos.

O mais sofrido era passar a noite, por que a gente só tinha uma barraca de dois lugares para quatro pessoas e dormia todo mundo acordado para não levar uma picadura de penislongo na bunda por engano à noite. Na verdade, os meninos sempre nos respeitaram muito. Era como se fossemos todos meninos. Na noite anterior ao dia de irmos embora, caiu uma chuva torrencial e de repente estávamos todos congelados e molhados dentro da barraca. Lona era uma coisa que nunca levávamos também. Deitados, rezando para São Pedro dar uma trégua, gelados pensávamos que nada podia ficar pior, até que...  a barraca caiu em cima da gente. E assim ela ficou, por que ninguém tinha a coragem de se mexer, com medo de trincar um osso congelado. Mas no final, foi até bom, porque a barraca caída, deu uma aquecidinha no nosso corpo enregelado.



Dia seguinte todo mundo cansado de sofrer, sem comida, apenas com um pacote de açúcar união na mão para poder subir a trilha, pôs-se a caminhar de volta para casa. Fomos para a trilha das motos, que era uma trilha mais tranquila de subir, não era preciso escalar como a trilha das onças. Os meninos, muito cavalheiros como sempre foram na frente. Isso me irritava tanto. O meu namorado, ao invés de me ajudar a carregar minha mochila, saia vazado na frente.
Lá na frente, eles pararam na ponte, que era semelhante aquela “ponte do rio que cai” do Faustão. E quando chegamos para atravessar, eles que já estavam do outro lado começaram a balançar a ponte. Embaixo passava o rio, não era fundo, mas se caíssemos, teríamos que subir a trilha todas molhadas.

Enquanto eles balançavam a ponte,  felizes da vida, as meninas e eu tentávamos nos agarrar às cordas e xingando-os de todos os nomes possíveis do “vocabulário do mano”. Que ódio. Quando estávamos quase do outro lado, perto deles, estiquei meu braço para dar um murro no Tetê e escorreguei de novo e cai no buraco de cara pro mato, com o mochilão nas costas. Subi toda suja de lama, com muito ódio no meu coração, puta da vida com o Éder por que ele permitiu que isso acontecesse comigo. Mas e quem disse que ele ligou? Ele saiu foi rindo de mim e continuou andando na minha frente. Depois de um tempo, remoendo o fato de ter caído na lama, com a boca no mato, e estar carregando minha mochila super pesada e meu namorado lá na frente com cara de ovo rindo à larga, pus-me a gritar:



-Éder! Édeeer! ÉÉÉDEEEEER!!!! Cof! Cof! Cof! – Comecei a tossir desesperada.
Caí no chão tossindo, com os olhos cheios de lágrimas e todo mundo veio correndo atrás de mim para saber o que aconteceu. Aí o Éder veio rapidinho.
- O que aconteceu? – Ele me perguntou – Você está bem?
- Não! É claro que não estou! Eu engoli uma mosca! E tudo por culpa sua que fica andando na minha frente! – Eu disse vermelha de ódio.
- Ufa! Foi só uma mosca. – Disse o Róla.
- Só uma mosca? – Respondi em cólera – Você está louco? Estamos no meio desse mato! Essa mosca pode ser venenosa! Se eu morrer é por culpa do Éder!
Ouvi uns risinhos abafados, o Éder pegou minha mão e nos pusemos a caminhar. Depois de um tempo que eu estava mais calma, ouvi uns gemidos, uns cochichos seguidos de gargalhadinhas abafadas logo atrás de mim. Quando viro para ver o que é, vejo o Róla simulando como se tivesse algo na boca dele, que ele estivesse segurando, como se batesse as asas e ele tentasse impedir. Os pés dele saltitando do chão dava a impressão que ele segurava algo que estava tentando carregá-lo para voar. Parei um pouco para ouvir e de repente escuto o sussurro: ‘É uma pomba voadora! Pode ser venenosa! Édeeeer!!!!’ E todo mundo rachando o bico de rir.

Ai que ódio que me deu. Depois que eu percebi que ele estava me zuando, ele perdeu a vergonha e foi me zuando até chagarmos à cidade. Todo mundo ficou cheio de piadinhas: Olha o pombal! Cuidado com a pomba assassina! Ela pode ser venenosa! Cof! Cof! Cof! Édeeer!!!

Como eu sou rata velha de bullying, - porque tive tanta espinha no colégio que meu apelido era chokito e toda vez que eu passava eu escutava o pessoal cantando: Leitecondesadocaramelizadocomflocoscrocantescobertocomodeliciosochocolatenestlé. – eu já tinha meus meios de sair da zuação e era não ligando. Mas e quem disse que deu certo? Tentei de tudo. Não ligar, me irritar e xingar todo mundo, rir com eles, me zuar também e nada. Voltamos e todo mundo me chamando de pombal. Seis meses depois eu não podia passar em baixo de um fio elétrico com pombos que o pessoal já falava: - Olha o almoço! - Ir à Praça da Sé então era um inferno com eles espalhando os pombos e gritando: - Salvem-se! A devoradora de pombos chegou!
Olha que tortura. Fui fingindo que não ligava mais, não toquei no assunto e o pessoal foi esquecendo. Acho que alguns deles podem lembrar depois que ler essa história, né Maria?
Mas depois de tudo isso, só tenho uma coisa a dizer: Intimidade é realmente uma desgraça! Mas também rende boas risadas, especialmente quando o apelido não é para você.

Fernanda Pereira    
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quarta-feira, julho 18, 2012


Os Homens das Cavernas Modernos


Tenho observado algumas coisas no universo masculino. Não sou uma expert no assunto, mas alguma experiência minha e das amigas ao meu redor me faz perceber que as coisas não são muito certas.
Não quero generalizar, por que da mesma forma que acredito em pokèmon, acredito que tenham homens bons andando perdidos por ai. Não, realmente fui injusta agora, tem muitos homens bons sim, mas a coisa está ficando feia. Eles estão virando espécie em extinção.
Homem puxar a cadeira para você sentar? Isso é algo tão raro, que da última vez que aconteceu comigo, o cara puxou a cadeira e eu inocentemente sentei na outra, enquanto ele segurava a cadeira olhando pra mim com a cara de “eu puxei pra você, Hey!”. Imediatamente me levantei desconcertada, fingindo que tinha feito de propósito, enquanto o rubor tomava conta do meu rosto. Ora, esse tipo de homem cavalheiro que puxa a cadeira para você sentar está sendo tristemente substituído pelos que puxam a cadeira para você cair.


Romance? Que romance? Tudo é um lance. E sabe o que é pior? É que os homens não querem assumir o romance e ainda coloca a culpa na pobre da mulher. Eles vêm sempre com esse discurso: Foram vocês que foram queimar sutiã. Vocês não queriam igualdade? Toma aí a igualdade! E jogam a igualdade mais desigual na nossa cara.
Minha gente, igualdade não quer dizer que a partir de agora a mulher queira ser tratada com grosseria. Na minha vida posso contar nos dedos homens que me deixaram sentar no ônibus, ou que não me atropelaram para entrar primeiro no coletivo. O que isso? São homens ou são Neandertais?  Bom para alguns, seria se a engenharia começasse a construir cavernas ao invés de edifícios.


A culpa é das mulheres. Tudo é culpa das pobres mulheres. Foi a Eva que comeu a maçã, então temos que viver com esse fardo.
A estupidez de alguns homens chega a tanto, que a coisa mais tosca que pode sair da boca de um retardado é: As mulheres são tratadas como vadias por que muitas dão motivos, não se dão o respeito, ficam com todo mundo, ficam dançando funk de vestido piriguete ou calça da gang.


É tão incrível a capacidade que eles têm de não saber identificar as Messalinas, que tratam mal todas as mulheres. Eu mesmo, como mulher, conheço tantas outras mulheres, uma lista enorme, e não conheço nenhuma mulher tipo piriguete, ou como essas das frutas do funk. Não conheço uma. No entanto, a grande maioria das mulheres que conheço já foi iludida, traída, maltratada, decepcionada com o argumento de que as mulheres não estão se dando o respeito. Na verdade, eu honestamente acho que o homem gentil de verdade não faz acepção da vulgar para a pura. O homem gentil de verdade, trata bem tanto a santa quanto a puta, pelo simples fato de ser uma pessoa. Esse negócio de que a mulher provoca ser maltratada é o discurso mais machista e sem fundamento da face da terra. Quem quer ser maltratada? As masoquistas somente, mas isso é gosto de cada um. Se o homem não concorda, não teve afinidade com a mulher, pra que maltratá-la? É o timinho dos covardes, que não sabem ser cavalheiros, que não sabem agir como homens de verdade. Por que toda pessoa, independente do gênero merece respeito, aliás, todo ser vivo merece respeito.
Um amigo me contou um dia desses, que trabalha ao lado de um sujeito que atende sua esposa mandando-a se foder e ainda diz que mulher tem que ser tratada desse jeito. Que esse mané ainda fica ensinando os rapazes mais novos a agirem assim. Um homem que trata a mulher dessa forma, depreciando-a, só consegue dar uma coisa para essa mulher: Depressão. Aí a mulher engorda e não se arruma mais, não se sente desejada e o cara a traí e ainda coloca a culpa nela. Típico.

Não sou ingênua, e sei que ao longo da história, homens desse tipo têm estado por todos os lados, mandando suas ideias apodrecidas sobre as mulheres para o ar. Escrevendo suas teses machistas e influenciando homens bons. Graças a Deus, hoje as mulheres tem liberdade de escolha, não são mais obrigadas a se casarem com homens desse tipo. Não são mais obrigadas a aceitarem parceiros desse nível. É uma pena que ainda são muitos andando por aí, com a máscara de bom moço, mas que não honram os órgãos que Deus deu.



Não sou feminista e absolutamente contra o machismo. Igualdade é igualdade. E para que a igualdade seja válida é preciso que todos tenham respeito.
Às mulheres minha dica é: Escolham bem, tirem esse peso que a sociedade coloca sobre nossos ombros de que temos que nos casar e ter filhos até os 35 anos. É melhor ficar solteira do que casar com um babaca e ficar passando raiva ou entrar para as estatísticas de mulheres agredidas por parceiros. Se não der para ter filhos, faça como a Angelina: vá para o Camboja, adote uma criança e quem sabe você não conquista a simpatia de um Brad Pitt por aí? E se tem filhos, eduque-os para serem homens de bem.

Aos homens gentis e cavalheiros: Que vocês possam ter muitos filhos homens, para propagar seus bons genes e ensinarem o cavalheirismo. Afinal, filho de peixe, peixinho é.


E aos machistas, trogloditas e afins meu desejo é: mudem de atitude ou parem de reproduzir. Parem de falar, de pensar, de escrever, de ensinar e de sair de casa, por favor.



Fernanda Pereira
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domingo, julho 01, 2012


Em busca de sentido


Ano passado meu amigo Léo me  indicou o livro Em busca de sentido do Viktor Frankl. Ele me fez uma propaganda tão boa que imediatamente fui à livraria comprá-lo. Sou muito boa em comprar livros e filmes. Uma pessoa não pode me dizer que gostou de um determinado título que fico totalmente curiosa e já tenho um comichão para comprar. O difícil é ler e assistir tudo o que eu adquiro com meu tempo extremamente reduzido de vida pessoal.


Naquela época, comecei a ler, mas sabe quando não é o momento do livro? Eu começava a ler e ficava perdida em devaneios aleatórios. Parecia que estava lendo um texto em aramaico. Por isso li até a metade, coloquei meu bom e velho marca página e guardei na "pilha de livros que lerei no futuro".


Passaram-se alguns meses e decidi pegá-lo novamente. Mas com a preguiça que me consome a alma, decidi ler a partir da página que eu tinha parado. E dessa vez parecia que era escrito para mim. Tudo o que aquele homem dizia parecia que começava assim: Fernanda, o sentido da vida...


Foi tão profunda a experiência que tive com esse livro, quase um arrebatamento, que assim que terminei, comecei a ler de novo para recuperar o que tinha ficado sem entender no ano passado. Não quero fazer sinopse nem resumo desse livro por que já tem muitos e muito melhores do que qualquer um que eu possa fazer. Quero falar da minha experiência, da minha visão desse livro tão maravilhoso.


Viktor Frankl fala da experiência dele nos campos de concentração da segunda guerra mundial. Ele descreve de forma detalhada e crítica os abusos que os prisioneiros sofriam nesses campos. E como a falta de sentido e o desespero faziam com que muitos sucumbissem por doença ou suicídio. Ele observava que toda vez que a pessoa era tomada por esse desespero e perdia a projeção do futuro, ela morria em poucos dias.

É bonito ver a grandiosidade da lição tirada por esse homem que perdeu tudo, tudo mesmo. Sua esposa, os pais, irmãos, bens, seu manuscrito que era o trabalho de sua vida, tudo foi perdido na guerra. Sobrou-lhe apenas como ele mesmo diz: a existência nua e crua.


Enquanto muitos lutavam para sair com vida, ele refletia que não é apenas sair com vida, mas ter um sentido para essa vida. Mesmo que a pessoa morra, ela deve morrer com dignidade, com sentido. Porque a morte também faz parte da vida.
Deliciei-me com sua história e ao retornar ao começo do livro li uma mensagem que ele mandou para seus jovens alunos que não sai da minha cabeça: “Não procurem o sucesso. Quanto mais o procurarem e o transformarem num alvo, mais vocês vão sofrer. Porque o sucesso, como a felicidade, não pode ser perseguido; ele deve acontecer, e só tem lugar como efeito colateral de uma dedicação pessoal a uma causa maior que a pessoa, ou como subproduto da rendição pessoal a outro ser. A felicidade deve acontecer naturalmente, e o mesmo ocorre com o sucesso; vocês precisam deixá-lo acontecer não se preocupando com ele. Quero que vocês escutem o que sua consciência diz que devem fazer e coloquem-no em prática da melhor maneira possível. E então vocês verão que a longo prazo - estou dizendo: a longo prazo! - o sucesso vai persegui-los, precisamente porque vocês esqueceram de pensar nele."

Temos a mania de colocar alvos efêmeros para sermos felizes ou termos sucesso. Se eu terminar a faculdade, serei feliz. Se eu conseguir um emprego na minha área, serei feliz. Se eu comprar um carro, serei feliz. Se eu me casar, serei feliz... E no final nunca se está satisfeito porque se faz do meio, um fim.


As mulheres (e alguns homens também, vai?), são as que mais fazem do meio um fim para serem felizes. O meio mais desejado de felicidade para muitas mulheres (pelo ao menos as que eu conheço) é o relacionamento com um homem. Muitas anseiam desesperadamente por um casamento,  porque segundo muitas outras mulheres: ‘O tempo está acabando, o cerco está fechando. Estou com 30 anos e ainda não estou namorando. São dois anos para conseguir alguém, três de namoro, um de noivado. Meu Deus! Quando me casar, já estarei na menopausa e não poderei mais ter filhos! Santo Antônio valei-me porque os homens estão tudo androginando e cada vez que um homem androgina, são dois que saem do mercado e etc.’ Ainda hoje ri gostosamente de uma amiga que está estudando desesperadamente para passar no concurso de escriturária do TJ para poder usar salto e camisa, colocar seus cabelos longos a mostra e ficar rodeada de homens engravatados e diplomados. Pois sua realidade é um trabalho num hospital, rodeado por mulheres de todos os tipos, especialmente megeras, usando uma touca embarangadora que esconde sua cascata de cabelos. E o único contato com homem é quando ele chega desmaiado e acidentado.


Os filmes, as novelas, as revistas mostram relacionamentos perfeitos, homens lindos de morrer e cavalheiros até não querer mais com suas esposas incríveis. Cada filme de romance que é assistido, terminamos cantando a música A Vida Não Presta do Léo Jaime. Porque o que é aquele Gerard Butler em P.S. Eu te amo? Ou o Javier Bardem em Comer Rezar Amar? O que é esse realacionamento da Angelina Jolie com o Brad Pitt? O homem pediu a mulher em casamento horrores de vezes, os filhos tiveram que interceder porque ela não queria aceitar enquanto todos os homessexuais não se casassem também. E aí, pensamos que se o Brad Pitt pedisse a gente em casamento não pestanejaríamos nem por um segundo para que ele não pudesse mudar de ideia. Pensamos ainda que, na verdade quem o pediria em casamento seriamos nós mesmas. Aí depois de ver todas essas pessoas bonitas e felizes, olhamos a nossa volta e percebemos que na festa junina da igreja tem cinco mulheres para cada homem. E que setenta por cento desses homens são aspirantes ao celibato. E pensamos tristemente, que no final vamos ter que acabar nos convertendo ao Islamismo. Porque é melhor dividir um homem com vinte mulheres, do que ficar solteira. Pois assim, garatimos pelo ao menos a procriação e a perpetuação de nossos lindos genes.


A verdade, é que nada garante nada. Nenhuma faculdade garante que você terá sucesso. Nenhuma conquista garante que você se realizará e nenhum relacionamento ou casamento garante que você será feliz. Afinal, no dia do casamento você pode descobrir que ele é gay e tem um caso com o mordomo. Ou que é um cafajeste e tem uma amante. Ou que você não o ama de verdade e que na verdade que ser carmelita descalça. Ou ele pode fugir com sua melhor amiga à cavalo. Ou ele pode até mesmo morrer.


Essa busca incessante por realização em um relacionamento é muitas vezes uma grande fuga, o desejo de compensar a carência afetiva que é gerada dentro da nossa própria casa, com nossa família. Uma outra pessoa nunca poderá nos fazer efetivamente felizes. E é até injusto dar um fardo tão pesado ao outro, pois somos insaciáveis. Nossa busca por felicidade tem que ter um equilíbrio. 


A busca desse sentido, de entender quem você é, de respeitar seus valores e suas necessidades sem medo de que o outro vá embora é o que nos faz libertos e felizes. Não buscar a felicidade, que é esse alvo invisível, e sim buscar fazer, como Frankl diz, tudo de melhor que sua consciência mandar. Alimentar nossos valores, nossa fé, a nossa individualidade, para que nos conhecendo e nos amando mais, sejamos mais plenos para amar o outro. Para que nosso amor transcenda. 


Se colocamos nosso foco de felicidade no outro, sempre buscaremos um amor idealizado, que parte de nossa idéia de como o outro deve ser para que sejamos felizes. E assim nos frustraremos e viveremos no mais puro sentido Big Brother de ser. O sentido de que o problema está sempre no outro, portanto, se ele não for bom como eu quero, eu o elimino. Isso não nos torna maduros. Quando um relacionamento não dá certo, cada uma das duas pessoas deve levar sua parcela de culpa, para que com isso se possa aprender e não repetir os erros no futuro. Colocar a culpa toda no outro é sempre muito mais fácil, pois se o problema está no outro eu não tenho que sair da zona de conforto para mudar. Mas também não se cresce.


Com grande ousadia, me atrevo a mudar um pouco o texto do Frankl, para trazer mais próximo do que eu estou falando. Ele ficaria mais ou menos assim:“Não procurem o amor. Quanto mais o procurarem e o transformarem num alvo, mais vocês vão sofrer. Porque o amor, como o relacionamento, não pode ser perseguido; ele deve acontecer, e só tem lugar como efeito colateral de uma dedicação pessoal a uma causa maior que a pessoa, ou como subproduto da rendição pessoal a outro ser. O amor deve acontecer naturalmente, e o mesmo ocorre com o relacionamento; vocês precisam deixá-lo acontecer não se preocupando com ele. Quero que vocês escutem o que sua consciência diz que devem fazer e coloquem-no em prática da melhor maneira possível. E então vocês verão que a longo prazo - estou dizendo: a longo prazo! - o amor vai persegui-los, precisamente porque vocês esqueceram de pensar nele."



Fernanda Pereira



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