Eis o melhor e o pior de mim. O meu termomêtro, o meu quilate.

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terça-feira, julho 24, 2012


A Pomba Venenosa

Foto: www.fottus.com/

Lembrar da minha adolescência e sempre uma delícia. Lembrar-me de todas as viagens sofridas, os acampamentos em Paranapiacaba, sempre sem dinheiro, tudo combinado em cima da hora, levando tudo menos comida são coisas que me fazem rir e pensar: Nunca mais! Jamais! Nem pensar! - Mas apesar de todo sofrimento, foi uma época muito legal.
Lembro-me um acampamento que fizemos, como todos os outros combinados em cima da hora e sem dinheiro, que a galera foi em peso. Éramos uma turminha do mal, queríamos vida loca, mas éramos na verdade um bando de adolescentes gente boa que curtiam um rock e adoravam uma aventura. Fomos todos: A Maria, a Paty, o Alex, o Presunto, o Róla, o Éder, o Tetê, e a Raquel e a Marta que são irmãs da Paty
 Arrumamos nossas mochilinhas e rumamos para o ponto de ônibus sentido Estação da Luz. Coisa linda de se ver: nove adolescentes, com os cobertores amarrados  com varal na mochila, comendo cheetos, felizes e animados tudo passando por baixo no busão. Eu me sentindo a adolescente mais rebelde do Clube dos Cindo. É isso aí sociedade! Anarquia!  Cuspo no chão!Passo por baixo do busão mesmo! Aí lá vou eu, bem bonita, com o quadril da Carla Perez no começo da carreira, enooorme,  passando por baixo da catraca e ficando com a bunda presa. Todo mundo me olhando com cara de: olha lá o balão, entalou. Ai que vergonha. Ainda bem que eram cinco horas da manhã e só tinha homem trabalhador e feio, se não teria sido bem pior.
Mas nada abalava nossa alegria e como o Róla sempre dizia, estávamos indo pra Gozolândia. Na Estação da Luz pegamos o trem sentido Ribeirão Pires e em Ribeirão Pires, pegamos o trem sentido Paranapiacaba (ou Paranaminhacasa para os íntimos).

Paranapiacaba é um lugar muito bonito. Com ar de cidadezinha do interior, com ruazinhas de paralelepípedo e uma reserva florestal. Lá tinha até mico leão dourado, pau brasil, jacaré do papo amarelo, onça pintada... Eu nunca vi, mas se as placas diziam que tinham, então tinham.


Chegar em Paranapiacaba era sussa. O difícil era ir embora. São varias horas de caminhada, dentro da mata fechada e selvagem. Um dia eu até vi um lagarto e pensei que era um jacaré pelo tamanho do bicho. Mas ficaram me zuando porque os jacarés não ficam dando rolê no meio do mato, eles ficam perto da água e a água estava bem distante, o que era muito sofrido, por que quando estávamos com sede e tinha acabado nossa água, nós ficavámos lambendo as folhas. A gente corria um risco danado de lamber uma folha de urtiga e passar o acampamento todo com a língua inchada.


Eu empre, eu descia o morro rolando, todos diziam que eu tinha sabonete embaixo do pé e meu apelido carinhoso era Gibi. Gibi era um cara todo tatuado que vivia bem louco de pinga, todo sujo e escorregando. Só tenho uma coisa a dizer sobre isso: Intimidade é uma desgraça. E o pior, é que uma vez quando eu era criança eu caí da escada saindo do banho. Escorreguei porque tinha um pedaço de sabonete grudado no meu chinelo. Desmaiei e acordei no hospital tomando ponto na sobrancelha. O Róla, (esse apelido porque tomava vários “Rólas” no skate), nunca soube dessa história do sabonete no meu chinelo, se não eu estaria ferrada.


Eu sou uma pessoa elegante. Não importa aonde eu vou. Por isso, fui com uma roupa muito apropriada para o acampamento: Jeans justo. Mais justo que a justiça de Deus e novinho. Novinho em folha! Nunca façam isso. O pior é que eu tinha uma lata de óleo dentro da minha mochila e como eu desci hora rolando, hora quicando, hora agarrada no galho, hora as pessoas tentando me segurar, e hora todo mundo rindo de mim, a lata que na época era usual, não era como essas garrafinhas de plástico, estourou e me sujou inteira. Não deu nem pra torcer a roupa pra aproveitar o óleo pra fritar um ovinho e minha calça novinha ficou toda cagada.



Vamos viver o desapego! Natureza, cachoeira, luau sem violão, à capela comigo e com a Maria cantando Smashing Pumpkins e Cranberries tudo errado dentro da barraca. Que delícia! Só quando estávamos lá embaixo é que percebíamos que merda que é não ter repelente. Enquanto nos divertíamos na cachoeira gelada, éramos devorados por borrachudos carnívoros. Esse mosquito, ele esbarra em você e já sobe um calombo enorme na sua perna. Usar biquíni na cachoeira? Só se você quisesse sair parecendo que tinha trinta bundas vermelhas e inchadas. Além deter que suportar ser devorada por borrachudos, eu que na época namorava o Éder que tinha o cabelo comprido, tinha que aguentar uns comentários bem discretos de uns sujeitos gritando lá da pedra quando o Éder me beijava: Olha lá! Duas minas se beijando!

Depois de tomar banho, Maria e eu voltamos para a barraca e enquanto  estávamos à luz de velas, por que lanterna é para os fracos e para os ricos, o Róla chega correndo e dizendo:
- Esconde o papel! Vai esconde!
- Por quê? – Perguntei.
-Nada não, só esconde! – Ele disse rindo abundantemente.
Em poucos instantes escutamos os gritos sofridos do Presunto:
- Róla, que mancada! Cadê o papel?
- Não tem! – Disse o Róla se retorcendo de rir
- Róla, por favor, meu! É sério! – Ele disse em meio a lágrimas.
- Não tem! – Eu disse, rindo muito do rebostério alheio.


Aí a Maria e eu desatamos a rir largamente do menino que tinha sido vítima do lacto purga. E em meio a gargalhadas, começamos a sentir um cheiro horrível. E todo mundo olhando um pra cara do outro com a cara de: você peidou? E o cheiro subindo, tomando conta da nossa barraca, sufocando a gente. Eu tive que sair, não dava. Na hora que saio, vejo um vulto correndo com as calças na mão pro meio do mato e uma carta de baralho ficando para trás. Não acreditei. Não, fala sério! O cara cagou! Cagou atrás da nossa barraca! Cagou e se limpou com a carta de baralho! Que nojo! Quase matamos o Róla. Tudo por culpa dele que quis zuar o menino. Agora tinha uma poça de bosta atrás da nossa barraca e eu quase vomitando. Colocamos o Róla pra limpar pra ele largar a mão de ser idiota. No dia seguinte, o menino tinha ido embora aos primeiros raios de sol, tamanha a vergonha que ele passou.
Mas tudo era festa. Como a gente, (esse a gente era o Róla, o Éder, a Maria e eu) nunca levávamos comida suficiente e nem repelente, a gente roubava da Paty enquanto ela estava na cachoeira. Não era bem assim uma sacanagem, por que ela ia acampar com a gente e ficava regulando o rango? O pai dela tinha um sacolão e ela sempre tinha mais comida que todo mundo. Mas o pior é regular repelente. Todo mundo sofrendo se coçando e ela espirrando o spray de repelente caro dela na barraca e na atmosfera, enquanto nós em puro estado de mendicância ficávamos em baixo do jato desejando que algumas gotículas caíssem na nossa canela pelo ao menos.

O mais sofrido era passar a noite, por que a gente só tinha uma barraca de dois lugares para quatro pessoas e dormia todo mundo acordado para não levar uma picadura de penislongo na bunda por engano à noite. Na verdade, os meninos sempre nos respeitaram muito. Era como se fossemos todos meninos. Na noite anterior ao dia de irmos embora, caiu uma chuva torrencial e de repente estávamos todos congelados e molhados dentro da barraca. Lona era uma coisa que nunca levávamos também. Deitados, rezando para São Pedro dar uma trégua, gelados pensávamos que nada podia ficar pior, até que...  a barraca caiu em cima da gente. E assim ela ficou, por que ninguém tinha a coragem de se mexer, com medo de trincar um osso congelado. Mas no final, foi até bom, porque a barraca caída, deu uma aquecidinha no nosso corpo enregelado.



Dia seguinte todo mundo cansado de sofrer, sem comida, apenas com um pacote de açúcar união na mão para poder subir a trilha, pôs-se a caminhar de volta para casa. Fomos para a trilha das motos, que era uma trilha mais tranquila de subir, não era preciso escalar como a trilha das onças. Os meninos, muito cavalheiros como sempre foram na frente. Isso me irritava tanto. O meu namorado, ao invés de me ajudar a carregar minha mochila, saia vazado na frente.
Lá na frente, eles pararam na ponte, que era semelhante aquela “ponte do rio que cai” do Faustão. E quando chegamos para atravessar, eles que já estavam do outro lado começaram a balançar a ponte. Embaixo passava o rio, não era fundo, mas se caíssemos, teríamos que subir a trilha todas molhadas.

Enquanto eles balançavam a ponte,  felizes da vida, as meninas e eu tentávamos nos agarrar às cordas e xingando-os de todos os nomes possíveis do “vocabulário do mano”. Que ódio. Quando estávamos quase do outro lado, perto deles, estiquei meu braço para dar um murro no Tetê e escorreguei de novo e cai no buraco de cara pro mato, com o mochilão nas costas. Subi toda suja de lama, com muito ódio no meu coração, puta da vida com o Éder por que ele permitiu que isso acontecesse comigo. Mas e quem disse que ele ligou? Ele saiu foi rindo de mim e continuou andando na minha frente. Depois de um tempo, remoendo o fato de ter caído na lama, com a boca no mato, e estar carregando minha mochila super pesada e meu namorado lá na frente com cara de ovo rindo à larga, pus-me a gritar:



-Éder! Édeeer! ÉÉÉDEEEEER!!!! Cof! Cof! Cof! – Comecei a tossir desesperada.
Caí no chão tossindo, com os olhos cheios de lágrimas e todo mundo veio correndo atrás de mim para saber o que aconteceu. Aí o Éder veio rapidinho.
- O que aconteceu? – Ele me perguntou – Você está bem?
- Não! É claro que não estou! Eu engoli uma mosca! E tudo por culpa sua que fica andando na minha frente! – Eu disse vermelha de ódio.
- Ufa! Foi só uma mosca. – Disse o Róla.
- Só uma mosca? – Respondi em cólera – Você está louco? Estamos no meio desse mato! Essa mosca pode ser venenosa! Se eu morrer é por culpa do Éder!
Ouvi uns risinhos abafados, o Éder pegou minha mão e nos pusemos a caminhar. Depois de um tempo que eu estava mais calma, ouvi uns gemidos, uns cochichos seguidos de gargalhadinhas abafadas logo atrás de mim. Quando viro para ver o que é, vejo o Róla simulando como se tivesse algo na boca dele, que ele estivesse segurando, como se batesse as asas e ele tentasse impedir. Os pés dele saltitando do chão dava a impressão que ele segurava algo que estava tentando carregá-lo para voar. Parei um pouco para ouvir e de repente escuto o sussurro: ‘É uma pomba voadora! Pode ser venenosa! Édeeeer!!!!’ E todo mundo rachando o bico de rir.

Ai que ódio que me deu. Depois que eu percebi que ele estava me zuando, ele perdeu a vergonha e foi me zuando até chagarmos à cidade. Todo mundo ficou cheio de piadinhas: Olha o pombal! Cuidado com a pomba assassina! Ela pode ser venenosa! Cof! Cof! Cof! Édeeer!!!

Como eu sou rata velha de bullying, - porque tive tanta espinha no colégio que meu apelido era chokito e toda vez que eu passava eu escutava o pessoal cantando: Leitecondesadocaramelizadocomflocoscrocantescobertocomodeliciosochocolatenestlé. – eu já tinha meus meios de sair da zuação e era não ligando. Mas e quem disse que deu certo? Tentei de tudo. Não ligar, me irritar e xingar todo mundo, rir com eles, me zuar também e nada. Voltamos e todo mundo me chamando de pombal. Seis meses depois eu não podia passar em baixo de um fio elétrico com pombos que o pessoal já falava: - Olha o almoço! - Ir à Praça da Sé então era um inferno com eles espalhando os pombos e gritando: - Salvem-se! A devoradora de pombos chegou!
Olha que tortura. Fui fingindo que não ligava mais, não toquei no assunto e o pessoal foi esquecendo. Acho que alguns deles podem lembrar depois que ler essa história, né Maria?
Mas depois de tudo isso, só tenho uma coisa a dizer: Intimidade é realmente uma desgraça! Mas também rende boas risadas, especialmente quando o apelido não é para você.

Fernanda Pereira    
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1 comentários:

Anônimo disse...

Adorei kkkkkkkkkkkkkkkkk prima kkkk
Bjus
Juju

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