Eis o melhor e o pior de mim. O meu termomêtro, o meu quilate.

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terça-feira, julho 24, 2012


A Pomba Venenosa

Foto: www.fottus.com/

Lembrar da minha adolescência e sempre uma delícia. Lembrar-me de todas as viagens sofridas, os acampamentos em Paranapiacaba, sempre sem dinheiro, tudo combinado em cima da hora, levando tudo menos comida são coisas que me fazem rir e pensar: Nunca mais! Jamais! Nem pensar! - Mas apesar de todo sofrimento, foi uma época muito legal.
Lembro-me um acampamento que fizemos, como todos os outros combinados em cima da hora e sem dinheiro, que a galera foi em peso. Éramos uma turminha do mal, queríamos vida loca, mas éramos na verdade um bando de adolescentes gente boa que curtiam um rock e adoravam uma aventura. Fomos todos: A Maria, a Paty, o Alex, o Presunto, o Róla, o Éder, o Tetê, e a Raquel e a Marta que são irmãs da Paty
 Arrumamos nossas mochilinhas e rumamos para o ponto de ônibus sentido Estação da Luz. Coisa linda de se ver: nove adolescentes, com os cobertores amarrados  com varal na mochila, comendo cheetos, felizes e animados tudo passando por baixo no busão. Eu me sentindo a adolescente mais rebelde do Clube dos Cindo. É isso aí sociedade! Anarquia!  Cuspo no chão!Passo por baixo do busão mesmo! Aí lá vou eu, bem bonita, com o quadril da Carla Perez no começo da carreira, enooorme,  passando por baixo da catraca e ficando com a bunda presa. Todo mundo me olhando com cara de: olha lá o balão, entalou. Ai que vergonha. Ainda bem que eram cinco horas da manhã e só tinha homem trabalhador e feio, se não teria sido bem pior.
Mas nada abalava nossa alegria e como o Róla sempre dizia, estávamos indo pra Gozolândia. Na Estação da Luz pegamos o trem sentido Ribeirão Pires e em Ribeirão Pires, pegamos o trem sentido Paranapiacaba (ou Paranaminhacasa para os íntimos).

Paranapiacaba é um lugar muito bonito. Com ar de cidadezinha do interior, com ruazinhas de paralelepípedo e uma reserva florestal. Lá tinha até mico leão dourado, pau brasil, jacaré do papo amarelo, onça pintada... Eu nunca vi, mas se as placas diziam que tinham, então tinham.


Chegar em Paranapiacaba era sussa. O difícil era ir embora. São varias horas de caminhada, dentro da mata fechada e selvagem. Um dia eu até vi um lagarto e pensei que era um jacaré pelo tamanho do bicho. Mas ficaram me zuando porque os jacarés não ficam dando rolê no meio do mato, eles ficam perto da água e a água estava bem distante, o que era muito sofrido, por que quando estávamos com sede e tinha acabado nossa água, nós ficavámos lambendo as folhas. A gente corria um risco danado de lamber uma folha de urtiga e passar o acampamento todo com a língua inchada.


Eu empre, eu descia o morro rolando, todos diziam que eu tinha sabonete embaixo do pé e meu apelido carinhoso era Gibi. Gibi era um cara todo tatuado que vivia bem louco de pinga, todo sujo e escorregando. Só tenho uma coisa a dizer sobre isso: Intimidade é uma desgraça. E o pior, é que uma vez quando eu era criança eu caí da escada saindo do banho. Escorreguei porque tinha um pedaço de sabonete grudado no meu chinelo. Desmaiei e acordei no hospital tomando ponto na sobrancelha. O Róla, (esse apelido porque tomava vários “Rólas” no skate), nunca soube dessa história do sabonete no meu chinelo, se não eu estaria ferrada.


Eu sou uma pessoa elegante. Não importa aonde eu vou. Por isso, fui com uma roupa muito apropriada para o acampamento: Jeans justo. Mais justo que a justiça de Deus e novinho. Novinho em folha! Nunca façam isso. O pior é que eu tinha uma lata de óleo dentro da minha mochila e como eu desci hora rolando, hora quicando, hora agarrada no galho, hora as pessoas tentando me segurar, e hora todo mundo rindo de mim, a lata que na época era usual, não era como essas garrafinhas de plástico, estourou e me sujou inteira. Não deu nem pra torcer a roupa pra aproveitar o óleo pra fritar um ovinho e minha calça novinha ficou toda cagada.



Vamos viver o desapego! Natureza, cachoeira, luau sem violão, à capela comigo e com a Maria cantando Smashing Pumpkins e Cranberries tudo errado dentro da barraca. Que delícia! Só quando estávamos lá embaixo é que percebíamos que merda que é não ter repelente. Enquanto nos divertíamos na cachoeira gelada, éramos devorados por borrachudos carnívoros. Esse mosquito, ele esbarra em você e já sobe um calombo enorme na sua perna. Usar biquíni na cachoeira? Só se você quisesse sair parecendo que tinha trinta bundas vermelhas e inchadas. Além deter que suportar ser devorada por borrachudos, eu que na época namorava o Éder que tinha o cabelo comprido, tinha que aguentar uns comentários bem discretos de uns sujeitos gritando lá da pedra quando o Éder me beijava: Olha lá! Duas minas se beijando!

Depois de tomar banho, Maria e eu voltamos para a barraca e enquanto  estávamos à luz de velas, por que lanterna é para os fracos e para os ricos, o Róla chega correndo e dizendo:
- Esconde o papel! Vai esconde!
- Por quê? – Perguntei.
-Nada não, só esconde! – Ele disse rindo abundantemente.
Em poucos instantes escutamos os gritos sofridos do Presunto:
- Róla, que mancada! Cadê o papel?
- Não tem! – Disse o Róla se retorcendo de rir
- Róla, por favor, meu! É sério! – Ele disse em meio a lágrimas.
- Não tem! – Eu disse, rindo muito do rebostério alheio.


Aí a Maria e eu desatamos a rir largamente do menino que tinha sido vítima do lacto purga. E em meio a gargalhadas, começamos a sentir um cheiro horrível. E todo mundo olhando um pra cara do outro com a cara de: você peidou? E o cheiro subindo, tomando conta da nossa barraca, sufocando a gente. Eu tive que sair, não dava. Na hora que saio, vejo um vulto correndo com as calças na mão pro meio do mato e uma carta de baralho ficando para trás. Não acreditei. Não, fala sério! O cara cagou! Cagou atrás da nossa barraca! Cagou e se limpou com a carta de baralho! Que nojo! Quase matamos o Róla. Tudo por culpa dele que quis zuar o menino. Agora tinha uma poça de bosta atrás da nossa barraca e eu quase vomitando. Colocamos o Róla pra limpar pra ele largar a mão de ser idiota. No dia seguinte, o menino tinha ido embora aos primeiros raios de sol, tamanha a vergonha que ele passou.
Mas tudo era festa. Como a gente, (esse a gente era o Róla, o Éder, a Maria e eu) nunca levávamos comida suficiente e nem repelente, a gente roubava da Paty enquanto ela estava na cachoeira. Não era bem assim uma sacanagem, por que ela ia acampar com a gente e ficava regulando o rango? O pai dela tinha um sacolão e ela sempre tinha mais comida que todo mundo. Mas o pior é regular repelente. Todo mundo sofrendo se coçando e ela espirrando o spray de repelente caro dela na barraca e na atmosfera, enquanto nós em puro estado de mendicância ficávamos em baixo do jato desejando que algumas gotículas caíssem na nossa canela pelo ao menos.

O mais sofrido era passar a noite, por que a gente só tinha uma barraca de dois lugares para quatro pessoas e dormia todo mundo acordado para não levar uma picadura de penislongo na bunda por engano à noite. Na verdade, os meninos sempre nos respeitaram muito. Era como se fossemos todos meninos. Na noite anterior ao dia de irmos embora, caiu uma chuva torrencial e de repente estávamos todos congelados e molhados dentro da barraca. Lona era uma coisa que nunca levávamos também. Deitados, rezando para São Pedro dar uma trégua, gelados pensávamos que nada podia ficar pior, até que...  a barraca caiu em cima da gente. E assim ela ficou, por que ninguém tinha a coragem de se mexer, com medo de trincar um osso congelado. Mas no final, foi até bom, porque a barraca caída, deu uma aquecidinha no nosso corpo enregelado.



Dia seguinte todo mundo cansado de sofrer, sem comida, apenas com um pacote de açúcar união na mão para poder subir a trilha, pôs-se a caminhar de volta para casa. Fomos para a trilha das motos, que era uma trilha mais tranquila de subir, não era preciso escalar como a trilha das onças. Os meninos, muito cavalheiros como sempre foram na frente. Isso me irritava tanto. O meu namorado, ao invés de me ajudar a carregar minha mochila, saia vazado na frente.
Lá na frente, eles pararam na ponte, que era semelhante aquela “ponte do rio que cai” do Faustão. E quando chegamos para atravessar, eles que já estavam do outro lado começaram a balançar a ponte. Embaixo passava o rio, não era fundo, mas se caíssemos, teríamos que subir a trilha todas molhadas.

Enquanto eles balançavam a ponte,  felizes da vida, as meninas e eu tentávamos nos agarrar às cordas e xingando-os de todos os nomes possíveis do “vocabulário do mano”. Que ódio. Quando estávamos quase do outro lado, perto deles, estiquei meu braço para dar um murro no Tetê e escorreguei de novo e cai no buraco de cara pro mato, com o mochilão nas costas. Subi toda suja de lama, com muito ódio no meu coração, puta da vida com o Éder por que ele permitiu que isso acontecesse comigo. Mas e quem disse que ele ligou? Ele saiu foi rindo de mim e continuou andando na minha frente. Depois de um tempo, remoendo o fato de ter caído na lama, com a boca no mato, e estar carregando minha mochila super pesada e meu namorado lá na frente com cara de ovo rindo à larga, pus-me a gritar:



-Éder! Édeeer! ÉÉÉDEEEEER!!!! Cof! Cof! Cof! – Comecei a tossir desesperada.
Caí no chão tossindo, com os olhos cheios de lágrimas e todo mundo veio correndo atrás de mim para saber o que aconteceu. Aí o Éder veio rapidinho.
- O que aconteceu? – Ele me perguntou – Você está bem?
- Não! É claro que não estou! Eu engoli uma mosca! E tudo por culpa sua que fica andando na minha frente! – Eu disse vermelha de ódio.
- Ufa! Foi só uma mosca. – Disse o Róla.
- Só uma mosca? – Respondi em cólera – Você está louco? Estamos no meio desse mato! Essa mosca pode ser venenosa! Se eu morrer é por culpa do Éder!
Ouvi uns risinhos abafados, o Éder pegou minha mão e nos pusemos a caminhar. Depois de um tempo que eu estava mais calma, ouvi uns gemidos, uns cochichos seguidos de gargalhadinhas abafadas logo atrás de mim. Quando viro para ver o que é, vejo o Róla simulando como se tivesse algo na boca dele, que ele estivesse segurando, como se batesse as asas e ele tentasse impedir. Os pés dele saltitando do chão dava a impressão que ele segurava algo que estava tentando carregá-lo para voar. Parei um pouco para ouvir e de repente escuto o sussurro: ‘É uma pomba voadora! Pode ser venenosa! Édeeeer!!!!’ E todo mundo rachando o bico de rir.

Ai que ódio que me deu. Depois que eu percebi que ele estava me zuando, ele perdeu a vergonha e foi me zuando até chagarmos à cidade. Todo mundo ficou cheio de piadinhas: Olha o pombal! Cuidado com a pomba assassina! Ela pode ser venenosa! Cof! Cof! Cof! Édeeer!!!

Como eu sou rata velha de bullying, - porque tive tanta espinha no colégio que meu apelido era chokito e toda vez que eu passava eu escutava o pessoal cantando: Leitecondesadocaramelizadocomflocoscrocantescobertocomodeliciosochocolatenestlé. – eu já tinha meus meios de sair da zuação e era não ligando. Mas e quem disse que deu certo? Tentei de tudo. Não ligar, me irritar e xingar todo mundo, rir com eles, me zuar também e nada. Voltamos e todo mundo me chamando de pombal. Seis meses depois eu não podia passar em baixo de um fio elétrico com pombos que o pessoal já falava: - Olha o almoço! - Ir à Praça da Sé então era um inferno com eles espalhando os pombos e gritando: - Salvem-se! A devoradora de pombos chegou!
Olha que tortura. Fui fingindo que não ligava mais, não toquei no assunto e o pessoal foi esquecendo. Acho que alguns deles podem lembrar depois que ler essa história, né Maria?
Mas depois de tudo isso, só tenho uma coisa a dizer: Intimidade é realmente uma desgraça! Mas também rende boas risadas, especialmente quando o apelido não é para você.

Fernanda Pereira    
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quarta-feira, julho 18, 2012


Os Homens das Cavernas Modernos


Tenho observado algumas coisas no universo masculino. Não sou uma expert no assunto, mas alguma experiência minha e das amigas ao meu redor me faz perceber que as coisas não são muito certas.
Não quero generalizar, por que da mesma forma que acredito em pokèmon, acredito que tenham homens bons andando perdidos por ai. Não, realmente fui injusta agora, tem muitos homens bons sim, mas a coisa está ficando feia. Eles estão virando espécie em extinção.
Homem puxar a cadeira para você sentar? Isso é algo tão raro, que da última vez que aconteceu comigo, o cara puxou a cadeira e eu inocentemente sentei na outra, enquanto ele segurava a cadeira olhando pra mim com a cara de “eu puxei pra você, Hey!”. Imediatamente me levantei desconcertada, fingindo que tinha feito de propósito, enquanto o rubor tomava conta do meu rosto. Ora, esse tipo de homem cavalheiro que puxa a cadeira para você sentar está sendo tristemente substituído pelos que puxam a cadeira para você cair.


Romance? Que romance? Tudo é um lance. E sabe o que é pior? É que os homens não querem assumir o romance e ainda coloca a culpa na pobre da mulher. Eles vêm sempre com esse discurso: Foram vocês que foram queimar sutiã. Vocês não queriam igualdade? Toma aí a igualdade! E jogam a igualdade mais desigual na nossa cara.
Minha gente, igualdade não quer dizer que a partir de agora a mulher queira ser tratada com grosseria. Na minha vida posso contar nos dedos homens que me deixaram sentar no ônibus, ou que não me atropelaram para entrar primeiro no coletivo. O que isso? São homens ou são Neandertais?  Bom para alguns, seria se a engenharia começasse a construir cavernas ao invés de edifícios.


A culpa é das mulheres. Tudo é culpa das pobres mulheres. Foi a Eva que comeu a maçã, então temos que viver com esse fardo.
A estupidez de alguns homens chega a tanto, que a coisa mais tosca que pode sair da boca de um retardado é: As mulheres são tratadas como vadias por que muitas dão motivos, não se dão o respeito, ficam com todo mundo, ficam dançando funk de vestido piriguete ou calça da gang.


É tão incrível a capacidade que eles têm de não saber identificar as Messalinas, que tratam mal todas as mulheres. Eu mesmo, como mulher, conheço tantas outras mulheres, uma lista enorme, e não conheço nenhuma mulher tipo piriguete, ou como essas das frutas do funk. Não conheço uma. No entanto, a grande maioria das mulheres que conheço já foi iludida, traída, maltratada, decepcionada com o argumento de que as mulheres não estão se dando o respeito. Na verdade, eu honestamente acho que o homem gentil de verdade não faz acepção da vulgar para a pura. O homem gentil de verdade, trata bem tanto a santa quanto a puta, pelo simples fato de ser uma pessoa. Esse negócio de que a mulher provoca ser maltratada é o discurso mais machista e sem fundamento da face da terra. Quem quer ser maltratada? As masoquistas somente, mas isso é gosto de cada um. Se o homem não concorda, não teve afinidade com a mulher, pra que maltratá-la? É o timinho dos covardes, que não sabem ser cavalheiros, que não sabem agir como homens de verdade. Por que toda pessoa, independente do gênero merece respeito, aliás, todo ser vivo merece respeito.
Um amigo me contou um dia desses, que trabalha ao lado de um sujeito que atende sua esposa mandando-a se foder e ainda diz que mulher tem que ser tratada desse jeito. Que esse mané ainda fica ensinando os rapazes mais novos a agirem assim. Um homem que trata a mulher dessa forma, depreciando-a, só consegue dar uma coisa para essa mulher: Depressão. Aí a mulher engorda e não se arruma mais, não se sente desejada e o cara a traí e ainda coloca a culpa nela. Típico.

Não sou ingênua, e sei que ao longo da história, homens desse tipo têm estado por todos os lados, mandando suas ideias apodrecidas sobre as mulheres para o ar. Escrevendo suas teses machistas e influenciando homens bons. Graças a Deus, hoje as mulheres tem liberdade de escolha, não são mais obrigadas a se casarem com homens desse tipo. Não são mais obrigadas a aceitarem parceiros desse nível. É uma pena que ainda são muitos andando por aí, com a máscara de bom moço, mas que não honram os órgãos que Deus deu.



Não sou feminista e absolutamente contra o machismo. Igualdade é igualdade. E para que a igualdade seja válida é preciso que todos tenham respeito.
Às mulheres minha dica é: Escolham bem, tirem esse peso que a sociedade coloca sobre nossos ombros de que temos que nos casar e ter filhos até os 35 anos. É melhor ficar solteira do que casar com um babaca e ficar passando raiva ou entrar para as estatísticas de mulheres agredidas por parceiros. Se não der para ter filhos, faça como a Angelina: vá para o Camboja, adote uma criança e quem sabe você não conquista a simpatia de um Brad Pitt por aí? E se tem filhos, eduque-os para serem homens de bem.

Aos homens gentis e cavalheiros: Que vocês possam ter muitos filhos homens, para propagar seus bons genes e ensinarem o cavalheirismo. Afinal, filho de peixe, peixinho é.


E aos machistas, trogloditas e afins meu desejo é: mudem de atitude ou parem de reproduzir. Parem de falar, de pensar, de escrever, de ensinar e de sair de casa, por favor.



Fernanda Pereira
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domingo, julho 01, 2012


Em busca de sentido


Ano passado meu amigo Léo me  indicou o livro Em busca de sentido do Viktor Frankl. Ele me fez uma propaganda tão boa que imediatamente fui à livraria comprá-lo. Sou muito boa em comprar livros e filmes. Uma pessoa não pode me dizer que gostou de um determinado título que fico totalmente curiosa e já tenho um comichão para comprar. O difícil é ler e assistir tudo o que eu adquiro com meu tempo extremamente reduzido de vida pessoal.


Naquela época, comecei a ler, mas sabe quando não é o momento do livro? Eu começava a ler e ficava perdida em devaneios aleatórios. Parecia que estava lendo um texto em aramaico. Por isso li até a metade, coloquei meu bom e velho marca página e guardei na "pilha de livros que lerei no futuro".


Passaram-se alguns meses e decidi pegá-lo novamente. Mas com a preguiça que me consome a alma, decidi ler a partir da página que eu tinha parado. E dessa vez parecia que era escrito para mim. Tudo o que aquele homem dizia parecia que começava assim: Fernanda, o sentido da vida...


Foi tão profunda a experiência que tive com esse livro, quase um arrebatamento, que assim que terminei, comecei a ler de novo para recuperar o que tinha ficado sem entender no ano passado. Não quero fazer sinopse nem resumo desse livro por que já tem muitos e muito melhores do que qualquer um que eu possa fazer. Quero falar da minha experiência, da minha visão desse livro tão maravilhoso.


Viktor Frankl fala da experiência dele nos campos de concentração da segunda guerra mundial. Ele descreve de forma detalhada e crítica os abusos que os prisioneiros sofriam nesses campos. E como a falta de sentido e o desespero faziam com que muitos sucumbissem por doença ou suicídio. Ele observava que toda vez que a pessoa era tomada por esse desespero e perdia a projeção do futuro, ela morria em poucos dias.

É bonito ver a grandiosidade da lição tirada por esse homem que perdeu tudo, tudo mesmo. Sua esposa, os pais, irmãos, bens, seu manuscrito que era o trabalho de sua vida, tudo foi perdido na guerra. Sobrou-lhe apenas como ele mesmo diz: a existência nua e crua.


Enquanto muitos lutavam para sair com vida, ele refletia que não é apenas sair com vida, mas ter um sentido para essa vida. Mesmo que a pessoa morra, ela deve morrer com dignidade, com sentido. Porque a morte também faz parte da vida.
Deliciei-me com sua história e ao retornar ao começo do livro li uma mensagem que ele mandou para seus jovens alunos que não sai da minha cabeça: “Não procurem o sucesso. Quanto mais o procurarem e o transformarem num alvo, mais vocês vão sofrer. Porque o sucesso, como a felicidade, não pode ser perseguido; ele deve acontecer, e só tem lugar como efeito colateral de uma dedicação pessoal a uma causa maior que a pessoa, ou como subproduto da rendição pessoal a outro ser. A felicidade deve acontecer naturalmente, e o mesmo ocorre com o sucesso; vocês precisam deixá-lo acontecer não se preocupando com ele. Quero que vocês escutem o que sua consciência diz que devem fazer e coloquem-no em prática da melhor maneira possível. E então vocês verão que a longo prazo - estou dizendo: a longo prazo! - o sucesso vai persegui-los, precisamente porque vocês esqueceram de pensar nele."

Temos a mania de colocar alvos efêmeros para sermos felizes ou termos sucesso. Se eu terminar a faculdade, serei feliz. Se eu conseguir um emprego na minha área, serei feliz. Se eu comprar um carro, serei feliz. Se eu me casar, serei feliz... E no final nunca se está satisfeito porque se faz do meio, um fim.


As mulheres (e alguns homens também, vai?), são as que mais fazem do meio um fim para serem felizes. O meio mais desejado de felicidade para muitas mulheres (pelo ao menos as que eu conheço) é o relacionamento com um homem. Muitas anseiam desesperadamente por um casamento,  porque segundo muitas outras mulheres: ‘O tempo está acabando, o cerco está fechando. Estou com 30 anos e ainda não estou namorando. São dois anos para conseguir alguém, três de namoro, um de noivado. Meu Deus! Quando me casar, já estarei na menopausa e não poderei mais ter filhos! Santo Antônio valei-me porque os homens estão tudo androginando e cada vez que um homem androgina, são dois que saem do mercado e etc.’ Ainda hoje ri gostosamente de uma amiga que está estudando desesperadamente para passar no concurso de escriturária do TJ para poder usar salto e camisa, colocar seus cabelos longos a mostra e ficar rodeada de homens engravatados e diplomados. Pois sua realidade é um trabalho num hospital, rodeado por mulheres de todos os tipos, especialmente megeras, usando uma touca embarangadora que esconde sua cascata de cabelos. E o único contato com homem é quando ele chega desmaiado e acidentado.


Os filmes, as novelas, as revistas mostram relacionamentos perfeitos, homens lindos de morrer e cavalheiros até não querer mais com suas esposas incríveis. Cada filme de romance que é assistido, terminamos cantando a música A Vida Não Presta do Léo Jaime. Porque o que é aquele Gerard Butler em P.S. Eu te amo? Ou o Javier Bardem em Comer Rezar Amar? O que é esse realacionamento da Angelina Jolie com o Brad Pitt? O homem pediu a mulher em casamento horrores de vezes, os filhos tiveram que interceder porque ela não queria aceitar enquanto todos os homessexuais não se casassem também. E aí, pensamos que se o Brad Pitt pedisse a gente em casamento não pestanejaríamos nem por um segundo para que ele não pudesse mudar de ideia. Pensamos ainda que, na verdade quem o pediria em casamento seriamos nós mesmas. Aí depois de ver todas essas pessoas bonitas e felizes, olhamos a nossa volta e percebemos que na festa junina da igreja tem cinco mulheres para cada homem. E que setenta por cento desses homens são aspirantes ao celibato. E pensamos tristemente, que no final vamos ter que acabar nos convertendo ao Islamismo. Porque é melhor dividir um homem com vinte mulheres, do que ficar solteira. Pois assim, garatimos pelo ao menos a procriação e a perpetuação de nossos lindos genes.


A verdade, é que nada garante nada. Nenhuma faculdade garante que você terá sucesso. Nenhuma conquista garante que você se realizará e nenhum relacionamento ou casamento garante que você será feliz. Afinal, no dia do casamento você pode descobrir que ele é gay e tem um caso com o mordomo. Ou que é um cafajeste e tem uma amante. Ou que você não o ama de verdade e que na verdade que ser carmelita descalça. Ou ele pode fugir com sua melhor amiga à cavalo. Ou ele pode até mesmo morrer.


Essa busca incessante por realização em um relacionamento é muitas vezes uma grande fuga, o desejo de compensar a carência afetiva que é gerada dentro da nossa própria casa, com nossa família. Uma outra pessoa nunca poderá nos fazer efetivamente felizes. E é até injusto dar um fardo tão pesado ao outro, pois somos insaciáveis. Nossa busca por felicidade tem que ter um equilíbrio. 


A busca desse sentido, de entender quem você é, de respeitar seus valores e suas necessidades sem medo de que o outro vá embora é o que nos faz libertos e felizes. Não buscar a felicidade, que é esse alvo invisível, e sim buscar fazer, como Frankl diz, tudo de melhor que sua consciência mandar. Alimentar nossos valores, nossa fé, a nossa individualidade, para que nos conhecendo e nos amando mais, sejamos mais plenos para amar o outro. Para que nosso amor transcenda. 


Se colocamos nosso foco de felicidade no outro, sempre buscaremos um amor idealizado, que parte de nossa idéia de como o outro deve ser para que sejamos felizes. E assim nos frustraremos e viveremos no mais puro sentido Big Brother de ser. O sentido de que o problema está sempre no outro, portanto, se ele não for bom como eu quero, eu o elimino. Isso não nos torna maduros. Quando um relacionamento não dá certo, cada uma das duas pessoas deve levar sua parcela de culpa, para que com isso se possa aprender e não repetir os erros no futuro. Colocar a culpa toda no outro é sempre muito mais fácil, pois se o problema está no outro eu não tenho que sair da zona de conforto para mudar. Mas também não se cresce.


Com grande ousadia, me atrevo a mudar um pouco o texto do Frankl, para trazer mais próximo do que eu estou falando. Ele ficaria mais ou menos assim:“Não procurem o amor. Quanto mais o procurarem e o transformarem num alvo, mais vocês vão sofrer. Porque o amor, como o relacionamento, não pode ser perseguido; ele deve acontecer, e só tem lugar como efeito colateral de uma dedicação pessoal a uma causa maior que a pessoa, ou como subproduto da rendição pessoal a outro ser. O amor deve acontecer naturalmente, e o mesmo ocorre com o relacionamento; vocês precisam deixá-lo acontecer não se preocupando com ele. Quero que vocês escutem o que sua consciência diz que devem fazer e coloquem-no em prática da melhor maneira possível. E então vocês verão que a longo prazo - estou dizendo: a longo prazo! - o amor vai persegui-los, precisamente porque vocês esqueceram de pensar nele."



Fernanda Pereira



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sábado, abril 21, 2012


Os Corpos Sem Alma

Foto: Leandrovitor.blogspot

Meditando a música Paciência do Lenine, parei no momento em que ele fala que o corpo pede um pouco mais de alma. “O corpo pede um pouco mais de alma...” Isso é de uma profundidade absurda, porque realmente existe um monte de corpo sem alma andando por aí.


Quem anda de metrô em São Paulo em horário de pico sabe exatamente como são esses corpos sem alma. Isso sem contar na linha 9-Esmeralda da CPTM, ali a infinidade de corpos sem alma assusta. Os corpos sem alma são aquelas pessoas que não tem bom senso. É aquele sujeitinho que vê que a estação está abarrotada e ele fica parado bem na porta, impedindo as pessoas de entrarem, fazendo com que o próximo trem vá mais cheio ainda.É aquela múmia que está atrás de você e vai te empurrando para entrar, sendo que tem 400 pessoas na sua frente, como se o ato de te empurrar desse a ela o poder de passar através de você e das 400 pessoas. Ou aquela fulaninha, que hoje não está com pressa, portanto ela fica bem paradona na escada rolante e não sabe ler aquela placa que está escrito: DEIXE A ESQUERDA LIVRE SUA ANTA! Na verdade devia estar escrito: SUA ANTA, para que ela entendesse que é com ela mesma.


Essas pessoas não tem consciência coletiva, elas não entendem que até São Paulo ter linha suficiente de metrô, infelizmente teremos que andar um em cima da cabeça do outro. Mas ela não acha que ela tem responsabilidade para a melhoria do coletivo, ela acha que o governo é que tem que fazer tudo. Sim, o governo tem que fazer linhas suficientes, mas a realidade que vivemos hoje é de um metrô cheio, bombando, insuportável. A Linha Amarela ainda faltam 5 estações para serem inauguradas e já tem gente saindo pelo encanamento. Se as obras continuarem nessa velocidade, teremos linhas agradáveis e suficientes para a população de São Paulo em uns 50 anos. 50 anos? Sim, tudo isso. Talvez a gente nem usufrua desse transporte tão maravilhoso, porque até lá espero ter minha casa no conforto do Interior, andar a pé até a venda, sentar na calçada à tarde, cuidar da vida do vizinho... A minha verdadeira opinião de uma cidadã leiga, é que a solução para o trânsito de São Paulo nem é metrô mais, por que essas linhas estão tão cheias que vai precisar fazer trens infinitos, ou linhas paralelas para o mesmo lugar. O ideal seria levar o trabalho para perto da casa das pessoas, por que uma grande parte dos municípios de São Paulo é cidade dormitório, aonde as pessoas só vão para dormir. O trabalho se concentra no centro, fazendo todo mundo ir para o mesmo lugar ao mesmo horário todos os dias. Que delícia seria poder trabalhar perto de casa. Não demorar duas horas, às vezes três para chegar ao trabalho e com esse tempo poder fazer o que quiser: dormir, estudar, ler, fofocar, peidar... O que quiser mesmo, desde que não seja nada ilegal, né?


Até esses devaneios se tornarem realidade, temos que viver desse jeito, metrô cheio, desgaste emocional e stress. Por isso, temos que buscar passar por isso da melhor maneira possível, sendo pessoas educadas e gentis. Ter percepção de deixar a esquerda livre para quem está com pressa. Se for possível, deixar as portas livres para as pessoas saírem. Tem gente que pega o trem no Grajaú e só vai descer em Osasco, mas a múmia fica bem na porta até chegar o seu destino.

Educação não pode ser artigo de luxo e nem deixar guardada em casa para usar em festa. A educação, a gentileza e o bom senso tem que estar presente em nossa vida em todos os momentos. Somos responsáveis pelo mundo que vivemos, fazemos esse mundo. Não podemos mudar o mundo todo, mas podemos mudar o nosso mundo ao nosso redor com atitudes onde pensamos no próximo, porque somos o próximo do próximo, entende?


Não sejamos como corpos sem alma, como zumbis. Sejamos pessoas educadas, gentis e elegantes. Só temos a ganhar.


Fernanda Pereira
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quarta-feira, abril 18, 2012


A Pele Que Habito


Esse é um filme realmente surpreendente. Quando você começa a assisti-lo, fica meio querendo entender o que está acontecendo, querendo matar a charadinha, mas na hora que você descobre o que acontece você fica com o cara no chão.


A Pele que Habito, de Pedro Almodóvar, conta a história de Robert Ledgard, um cirurgião plástico muito talentoso e totalmente anti ético. Sua esposa, ao fugir com o amante sofre um acidente e fica carbonizada. Ele a salva, mas no dia em que ela consegue ver seu reflexo no vidro da janela, fica escandalizada e se atira pela própria janela, morrendo na frente da filha, Norma, que após isso começa a ter transtornos psiquiatricos.
Depois de sua filha ter sido violentada, Robert, que deveria se chamar Marimar, vai atrás do suposto estuprador de sua filha e o sequestra e é aí que começa o babado. Fico nervosa só de lembrar. Ele coloca o rapaz, lindo de viver, em um cativeiro e começa a deixar o cara meio doido e faz uma vaginoplastia no rapaz. Que mente insana, vingativa, criativa e doentia! Após esse ato ensandecido, ele começa a usar o pobre rapaz como cobaia para criar uma pele perfeita, resistente ao fogo e à dor, misturando DNA humano com suíno. A pele que poderia ter salvado sua esposa.
Durante o filme, experimentei todos os tipos de sentimentos: enjoos, pena, revolta, satisfação, vontade de rir e chorar. A lição que levei é a vontade do rapaz de viver, o quanto ele trabalha seu interior, um templo onde ninguém pode tocar. Podem fazer tudo com você por fora, mas quem comanda sua cabeça é você. Tudo bem que não é bem assim na prática, porque imagine você sendo objeto de uma experiência que te troque de sexo? Ah, eu surtaria e viraria travesti na hora!

É um filme inquietante, que te faz sair do básico. Te coloca para pensar de forma mais profunda. A mim, fez pensar deliciosamente em uns carinhas, que bem que mereciam uma vaginoplastia para ficaram mais espertos.

Fernanda Pereira
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segunda-feira, março 26, 2012


Lixo Extraordinário


Esse documentário já está um pouco velhinho, comparado com a velocidade que as coisas ficam para trás e nos dias de hoje, mas eu o vi recentemente, indicado pelo meu acompanhador.
Filmado ao longo de dois anos (agosto de 2007 a maio de 2009), Lixo Extraordinário acompanha o trabalho do artista plástico Vik Muniz em um dos maiores aterros sanitários do mundo: o Jardim Gramacho, na periferia do Rio de Janeiro. Lá, ele fotografa um grupo de catadores de materiais recicláveis, com o objetivo inicial de retratá-los. No entanto, o trabalho com esses personagens revela a dignidade e o desespero que enfrentam quando sugeridos a reimaginar suas vidas fora daquele ambiente. A equipe tem acesso a todo o processo e, no final, revela o poder transformador da arte e da alquimia do espírito humano.*

Essa é a sinopse, mas esse documentário é muito mais que isso. A minha experiência enquanto o assistia, foi de experimentar sentimentos que eu nem imaginava que havia dentro de mim.
É realmente muito triste, saber que em um país tão grandioso e com uma riqueza enorme ainda haja pessoas vivendo desse jeito. O lixão foi fechado, mas essa realidade de pobreza ainda é muito forte em nosso país. Independente das dificuldades que aquelas pessoas enfrentam, é bonito ver a dignidade que elas encaram seu trabalho, o orgulho que sentem de si próprias, por sua atividade que realmente é importante para o meio ambiente.

Quando o meu acompanhador me sugeriu ver esse vídeo, eu estava passando por uma grande crise de identidade, de até mesmo de não aceitar minha história. Minha história não é diferente de muitas pessoas, mas é uma história que machuca. Muitas dificuldades, trabalhar muito cedo, separação dos pais... Não entrarei em detalhes, mas citei algumas coisas para salientar o quanto me identifiquei com a história daquelas pessoas, que sofrem, são colocadas à margem da sociedade, não tem acesso nem a saneamento básico. Elas chegam até mesmo a comer comida do lixo. Os esforços que fazem para sobreviver, não se deixam ser diminuídos por ninguém, pois como diria Charlotte Brontë: “Somos todos iguais diante de Deus”. Eles sabem essa verdade, pois Deus dá uma grande sabedoria aos humildes de coração.

Vendo essa dura realidade, me ponho a pensar o tanto de vezes que já ouvi algumas pessoas que assistem a pobreza dos outros pela televisão, dizerem que os pobres não se esforçam, que não estudam, não leem um livro... Ah meu Deus, se ler livros enriquecesse a gente, eu estaria pelo ao menos numa posição melhor, pois o que mais faço é ler. A leitura é muito importante, e eles leem, até Nietzsche eles leram. Mas ler um livro apenas, sem escola não muda a vida de ninguém. Pode até te ajudar a formar opinião, mas tirar a pessoa da miséria precisa de muito mais que isso. E depois, vamos raciocinar, temos necessidades básicas, como comer, beber, nos aquecer. Quem vai pensar em fazer uma tese sobre Dostoiévski se está passando fome ou frio? Com fome não conseguimos nem pensar em Deus, quanto mais em ler.

O pior câncer é a ignorância, mas não é a ignorância da falta de cultura, mas essa ignorância que faz com que a pessoa julgue o outro culpado de sua miséria, quando na verdade ele é uma vítima. Essa ignorância que faz com que percamos a misericórdia para com nossos irmãos.
Esse documentário vale a pena ser visto, revisto, degustado e saboreado, pois faz-nos olhar para nossa pobreza dentro de nós, nossa pobreza de falta de caridade e nosso comodismo. Faz-nos perceber que ninguém consegue nada sozinho, sem uma mão, sem uma seta. Faz-nos observar que temos que ter orgulho daquilo que somos, independente de nossa situação financeira, as escolas que estudamos, o bairro que moramos. Por que o que somos, somos. O resto é tudo título, mas a nossa essência sim é importante. Quem ainda não percebeu isso, ainda está na superfície, demorará para experimentar o que realmente importa.
Somos todos iguais diante de Deus.


Fernanda Pereira
* Fonte: http://www.lixoextraordinario.net/filme-sinopse.php
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sábado, março 10, 2012


A Mulher do Suvaco de Pimenta


Existem as pessoas que são azaradas e existem as pessoas cagadas. Eu me encaixo no grupo de pessoas cagadas. Quando Murphy pensou em sua lei, ele teve um sonho do futuro, e esse sonho era sobre mim.
Resolvi viajar sozinha. Nos meus planos eu me conheceria melhor e conheceria um gatinho para partilhar todo esse conhecimento profundo.  Mas, acabei me conhecendo tanto que não conheci ninguém. Tudo bem, nem tudo são flores e aprendi que você nunca deve viajar sozinha para um lugar aonde só vai casal e essa galera que está em lua de mel. Você fica sozinha sem amigos, por que casais são amigos de casais (a não ser que você queira ser uma velona no meio deles). E você não pega ninguém, por que no maldito lugar já está todo mundo acompanhado. Na verdade eu até consegui uma amiga, mas ela foi embora dois dias depois. Conheci uma pessoa aqui, outra ali, mas nada de muito profundo, por que as pessoas solteiras, estavam trabalhando.

Dias lindos, já havia passado tanto tempo comigo que estava querendo me separar de mim. Relacionar-se consigo própria é muito difícil. Tem horas que você quer fazer uma coisa, e aí já vem você querendo fazer outra, e de repente rola uma briga enorme com você que te faz ficar dias sem falar consigo mesmo. No dia de voltar para casa, eu já estava me sentindo como o Gollum do Senhor dos Anéis depois de tanto falar sozinha, Porém, estava me sentindo muito feliz, muito feliz mesmo por poder voltar a encontrar pessoas que eu tenho mais afinidades e intimidades. 

Tudo estava lindo, por que o lugar que eu fui, no Ceará, enche os olhos de tanta beleza. Pegamos uma Jardineira, que é um tipo de transporte aberto, que anda pela areia, por que os ônibus atolam. Percebi que tinham vários gatinhos solteiros na Jardineira, a esperança reacendeu meu coração. Fui feliz da vida, tirando várias fotos, sorrindo para as pessoas. A emoção tomando conta: Estou voltando para casa e ainda posso pegar alguém!
Chegamos a uma cidade, onde trocaríamos de transporte, pegaríamos um ônibus para ir até Fortaleza, para de lá pegar o vôo para São Paulo. Altas piscadas que chegava parecer que eu tinha problema no olho. Tentamos tudo, vai que dá certo? Entrei no ônibus, balas e chicletes em punho, checando o bafo e se estava tudo ok. Já tirei a novena de Santo Antônio do bolso e comecei a intercessão para que algum daqueles belos sentasse ao meu lado. Entra um, passa direto. Outro passa direto e vai passando e passando. Não tem problema, ainda tinham alguns. Santo Antônio valei-me!

De repente, senti um cheiro muito estranho. Um cheiro longínquo de suvaco ardido. Mas era um cheiro tão peculiar que eu abri as narinas para sentir melhor e identificar que fedor era aquele. Tinha uma mistura de ônibus lotado com trabalho escravo, 13 dias sem tomar banho, peixe salgado no sol e um toque de pimenta. O que eu mais estranhei foi a pimenta. Que cheiro de pimenta moída na feira! Por um momento eu pensei que alguém estava contrabandeando condimentos, afinal estávamos no Nordeste e lá tem temperos incríveis. O cheiro desse não era tão incrível, mas tem gosto para tudo, pensei. À medida que eu pensava, o cheiro aumentava e pensei comigo: Meu Deus, alguém tem um limão pra dar para o cidadão que está com o suvaco caindo?

Muito calmamente entra uma moça no ônibus, sorrindo com simpatia, umas vestes alternativas, meio indianas. Eu pensei comigo: coitada da moça. O cara do suvaco fedido deve tá vindo atrás dela. O nariz dela deve tá até sangrando, por que o meu tá quase...

A mulher foi chegando e o fedor aumentando. E meu desespero começou a se intensificar, tenho rinite alérgica, qualquer coisa me faz ficar sem respiração e dessa vez eu temia que meu nariz caísse. Percebi que não tinha ninguém atrás dela. Era ela que estava fedendo! Meu Deus, não pode ser! A pessoa não sente um negócio desses? Ainda mais uma mulher? E nem era zuada, era até jeitosa. Meu Deus passa limão, corta esse suvaco fora!

Fiquei com uma dó da pessoa que ia sentar do lado dela. Senti dó e por dentro comecei a rachar o bico. Que hilário! A pessoa vai desmaiar! Já imaginei o ônibus parando na estrada, o cara desmaiado, ela chorando, todo mundo olhando pra ela com cara de desaprovação, a polícia levando ela presa, os jornalistas do Ceará tirando fotos e falando: Um crime hediondo! Mulher sufoca homem com o fedor de seu suvaco. O fulano de tal foi levado inconsciente para o hospital e corre risco de vida... Plim, Plim. Acorda!

Nos momentos que me deliciava com minha mente fértil, meu sorriso desvaneceu-se. Ela estava se aproximando e olhando o número da poltrona. Estava diminuindo os passos e olhando para mim sorrindo. Ah, não! Ah, não! Santo Antônio, São José, São Socorrooo!

-Hello?

Ai meu Deus- pensei- ela vai sentar perto de mim. Ria agora? Quem vai sair desmaiada é você! Eu sabia que o patrono do casamento era São Rafael, por que eu fui rezar pra Santo Antônio?

- How are you? – Ela continuou falando.

Me deu dó, coitada. Pensei: Ela é simpática. Só por que tá fedida? Poxa, as pessoas fedidas também amam. Ai como eu sou insensível e preconceituosa. Que vergonha Fernanda, fala com a moça! Putz, ela fala inglês. Não falo nada. Peraí, eu falo alguma coisa sim. Fiz aulas com o método Churusmelos Too Too que a Maria, minha amiga, inventou e depois fui um dia na aula do Lucas. Mas essa não conta, eu só fiquei zuando o Renato e o menino So Lowly e quase tomei uma chinelada e fui proibida de voltar lá... Verb to be, Verb to be... Pense nos milhões de música que você já traduziu. Isso! Garota esperta! Lá vai:

-Itis reining men?  Ou Yes! Thank you!

Ave Maria, o que será que eu disse? A mulher me olhou com uma cara de trevo.

- Speak English? Ela perguntou. Isso eu sei responder!

- Nou! – Disse eu por fim, sorrindo amarelo. Ela sorriu, e virou-se para seu MacBook.

Fiquei com meu orgulho ferido. Como assim não quer mais falar comigo? Só porque eu não sei falar inglês? Ela que está no Brasil, ela que tem que falar português, ora! E depois ela é uma fedida. Que tem um computador mor legal... Que importa! Devia era vender e comprar sabão! Nem vendendo o Mac dela ia comprar sabão suficiente! Pára Fernanda! Sua coração peludo! Deixa a moça, ela é boazinha.
Esses meus pensamentos só podem ser de segurar peido. A Maria sempre diz: nunca se deve segurar um peido. Por que ele sobe pela coluna, vai para o cérebro e é daí que surgem as ideias de merda. Sabias palavras.


Passou um tempo da viagem, a moça do ônibus veio trazer um lanchinho pra todo mundo. Eu estava morrendo de fome, mas ia ser difícil comer com a Fedentina do meu lado. Ah, vai nada. Eu como pela boca, e não pelo nariz! A moça entregou biscoito e suquinho pra gente, a Fedelete olhou e sorriu para mim e me deu o biscoito, gesticulando que não queria e apontando para sua mala. Meus olhos se encheram de lágrimas e de gratidão, não pelo biscoito mas pelo gesto, totalmente arrependida de tê-la chamado de Fedorenta no meu coração.
Enquanto eu abria meu biscoitinho, ela se abaixou para pegar algo em sua mochila. Quando ela esticou o braço, saltou um negócio da axila dela, que a princípio eu pensei ser um bicho, mas conforme ela se movimentava, a cascata lhe descia pelo braço e balançava, mas sem se soltar. Fiquei confusa. Aquilo era pêlo? Eu sempre soube que em alguns países as mulheres não fazem depilação, mas nunca tinha visto pêlos tão protuberantes nem em homem. Deu-me certa raiva dela, porque a cidadã vem para o Brasil, especificamente para o Nordeste, onde tem sol e calor que não acaba e não pensa que pode sufocar alguém com um golpe de axila? Sem noção meu!

Antes o suvaco dela fosse tudo. Pensando eu, em toda aversão que tinha criado pela a Fedita cuja, imaginando que tudo aquilo era de próposito para desmaiar alguém inocente, que no caso era eu, pensei que nada podia ficar pior. Aí entra a lei de Murphy para mim: não há nada tão ruim que não possa ser piorado. De repente, sem mais nem menos, sem prévio aviso, essa mulher me saca um marmitão de dentro da mochila. Eu admirada, por que aqui no Brasil as pessoas morrem de vergonha de comer um biscoitinho em público e uma vez uma amiga minha, levava sua marmita disfarçada em uma nécessaire, quando o ônibus deu uma freada e jogou a marmita dela longe, espalhando os seus bifinho, ela imediatamente fingiu que não era dela. Isso por que todo mundo viu que saiu voando de sua mão.


Voltando à marmita da Joselita, graciosamente ela abriu a vasilha metálica. Começou a subir um cheiro, um fedor especificamente, uma carniça na verdade. Mas um cheiro tão ruim que no instante que ela abriu a marmita, subiu uma fumaça amarela e três urubus entraram voando pela janela e levaram  o bife dela embora. Fiquei triste por que não levaram ela também. De repente estava todo mundo olhando pra mim. Eu não sei o que ela estava comendo, mas tinha um cheiro muito, muito forte e misturado com o cheiro dela empesteou definitivamente o ônibus. Nesse instante pude sentir todos os olhos de piedade em cima de mim.
Mas o pior não era comer a marmita dentro do ônibus, por que ela faz o que ela quer da vida dela, anda com o Chewbacca debaixo do braço, passa bosta na cara, problema dela. O pior, de fazer tudo isso, é ela afetar as pessoas, por que seu direito de feder, termina quando meu nariz começa a necrosar. Desumana. Eu estava revoltada.

Viajem mais longa da minha vida, mas serviu para me acalmar. Depois de um tempo a narina se acustuma e você nem sente mais nada. Finalmente chegamos a Fortaleza, que é linda, quente e cheia de gente cheirosa. E alguns fedidinhos também. Mas tudo isso me fez pensar, bendita matéria orgânica que somos feitos. No final, todo mundo é fedidinho, mas tem gente que se assume. E ser quem você é, com sua cultura, valores e até mesmo hábitos muito diferentes é atitude. E isso não deixa de ser bonito. Mas um banhinho com sabão em pó e cândida é bom e a gente agradece.



Fernanda Pereira
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